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Memórias de OLYMPIO GUILHERME

LIVRO

Inédito

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Inédito

Trechos ineditos do livro "Memórias de Olympio Guilherme":

"Foi em meio a esse ambiente de truculência – estávamos em outubro de 1950 – que recebi do presidente Getúlio Vargas um convite para visitá-lo com a máxima urgência. O convite era alarmante, tanto mais quanto, afora rápidos contatos no Conselho Federal do Comércio Exterior, no Itamarati, nunca tivera ensejo de falar-lhe sobre quaisquer dos inúmeros temas que de perto haviam despertado sua atenção, como leitor do “Observador”. A princípio, acreditei que a entrevista, realizada à noite no antigo Palácio Guanabara, versaria sobre a atitude de certa independência com que “O Observador Econômico e Financeiro”, sob minha direção, assumia na análise dos problemas nacionais.

Minha suposição se desfez logo no início da entrevista, quando o presidente solicitou minha opinião sincera sobre a censura com que a Policia arrolhava a Imprensa. A maneira como a pergunta foi feita e, sobretudo, a plena liberdade de crítica que contida na pergunta, traduziam claramente o estado de espírito do Presidente, e seu sincero desejo de conhecer a verdade sobre as violências inomináveis da Policia. Relatei-lhe, então, sem omitir nenhum fato de meu conhecimento o desserviço que a Policia de Filinto e Batista lhe prestava, sem me esquecer de salientar quanto significaria para o governo uma atitude capaz de pôr sobre aquele mundo de misérias e arbitrariedades. Depois de ouvir-me atentamente em silêncio, o presidente levantou-se, ascendeu mais um charuto e começou a caminhar compassadamente pelo grande salão onde estávamos a sós, já tarde da noite.”

Em suas “Memorias”, Olympio Guilherme relata acontecimentos políticos daquela época (1934-1970) que marcaram a história do Brasil e que até hoje influenciam os acontecimentos políticos atuais.

“Minha longa permanência nos Estados Unidos – quase cinco anos – afastou-me do ambiente por mim criado em São Paulo, sobretudo no meio jornalístico. Foi assim que decidi dedicar-me exclusivamente à conclusão dos “Estudos Americanos”, obra exaustiva, em quatro volumes, editada pelo Calvino Filho, e à qual aqui me reportarei em outro capitulo. O fato é que, com o meu nome muito ligado às coisas do cinema, a que se emprestava o falso conceito de boêmia e irresponsabilidade – encontrei sérios embaraços para retornar a um ritmo de vida condizente com minhas possibilidades intelectuais.”

“Minha amarga experiência com certos editores e publicistas conduziram-me a uma conclusão desoladora: dificilmente se poderia escrever no Brasil daqueles dias, sem se submeter às restrições da mais intolerante e pertinente censura politica ou econômica por vezes exercida sub-repticiamente, outras vezes às escancaras, pelos meios mais torpes e achincalhantes.”

“A aspérrima lição por mim aprendida no lançamento dos meus quatros volumes dos “Estudos Americanos” (1934) valeu-me muito pouco durante os cinco anos que dirigi “O Observador Econômico e Financeiro”; mas infelizmente aquela provação foi esquecida em meus trabalhos posteriores, criminosamente mutilados mesmo quando escritos no exterior em forma de reportagens patronizadas por grandes jornais e revistas.

Ainda assim, não desisti, e quando em 1957 surgiu a oportunidade para que eu escrevesse uma série de reportagens sobre a gravíssima questão da energia atômica no Brasil, compreendi que nenhum jornal as publicaria sem as restrições que deformariam aquelas importantes revelações sobre a orientação que o Itamarati estava imprimindo às nossas negociações diplomáticas com os Estados Unidos, nos entendimentos secretos relativos aos célebres Acordos Atômicos.

Escrevi então “O Brasil e a Era Atômica”, que jamais seria publicado na integra por qualquer editor de primeira linha.”

“Meu novo livro “URSS x USA” só viria à luz oito anos mais tarde, depois das longas reportagens por mim escritas no Oriente Médio e na África, cuja simples recordação provoca em meu espirito a mesma indignação que me assaltou quando de regresso daquelas demoradas peregrinações jornalísticas, tomei conhecimento da criminosa mutilação a que meus originais foram submetidos antes de sua publicação por mim assinada.”

“Estes fatos coincidiram com o lançamento pela Radio Globo do Rio de Janeiro, do meu “Panorama do Mundo (1955), um programa (diário ao vivo) de 15 minutos, através do qual eu procurei fugir a censura previa aplicada impiedosamente a Letra de Forma.”

“ A matéria era das mais controvertidas no Brasil, onde apenas meia dúzia de estudiosos podia compreender a transcendente importância da luta desigual travada entre árabes e judeus, fagulha do cataclismo que até hoje paira sobre o mundo ocidental.”

“ De regresso ao Brasil, uma decepção constrangedora me aguardava: apenas três ou quatro reportagens (as menos importantes entre oito ou dez) tinham sido publicadas.”

“Trabalhei quatro anos ao lado desse homem extraordinário, até que Quitandinha, apenas inaugurada, ruiu sob o infeliz pretexto legal que proibiu a exploração de jogos de azar. Com o fechamento dos cassinos, o jogo invadiu os lares com a força incoercível de um vício inextirpável da natureza humana, mas que todas as nações regulamentam inteligentemente para que ele não se transforme numa histeria coletiva com a amplitude da Loteria Esportiva.”

“Quitandinha exerceu sobre meu espírito a influência de uma universidade da vida, com todas as suas cátedras ocupadas pelos mais conspícuos mestres que, no seu tempo, Balzac não teve oportunidade de conhecer, e que por certo teria influenciado o próprio Dostoiewski, na redação de seu fabuloso estudo sobre o jogo. Quitandinha não era apenas um suntuoso cassino, mas um luxuoso hotel que nos verões cariocas abrigava a alta-roda de milionários, mas também os elegantes pés rapados do país inteiro, que ali se misturavam sem necessidade de identificação policial, que por certo lhes barraria a hospedagem. A ficha da recepção, infelizmente era outra: a bancária. A mistura de tão heterogêneas sociedades em um hotel cujas atividades sociais e esportivas os uniam numa estranha amálgama humana haveria de produzir dramas e comédias inevitáveis, que felizmente não ultrapassavam o discreto silêncio de seus corredores atapetados.”

Assis Chateaubriand

“Aqui desejo apenas relatar um episódio ligado ao infeliz acidente de que fui vítima ocasional.

Chateaubriand empenhara-se numa luta personalíssima com um jovem por questões particulares que não interessam a este relato, mas que o exarcebavam. As armas da refrega eram desiguais: o esfuziante jornalista brandia ao seu grande público leitor o tacape das diatribes mais rudes, arma terrível de que não dispunha seu antagonista, acuado a um canto da arena. Debalde amigos comuns tentaram apaziguar os ânimos exaltados.

A luta resvalava, cada vez mais perigosa, para o terreno escorregadio das retaliações pessoais, muito abaixo da alta posição social dos dois contendores.

Foi aquela época (1941) quando a campanha pela aviação civil atingia seu ponto mais alto, que se fixou a data para o batismo de mais um teco-teco destinado ao Aéreo Clube de Pelotas, no Rio Grande do Sul.

As cerimônias de batismo dos aviões doados a memorável campanha revestiam-se do aparato natural que Chateaubriand sabia dar às suas iniciativas. À cerimônia compareciam altas personalidades oficiais, além de numerosos convidados que prestigiavam aquele patriótico movimento. Para o batismo do avião destinado a Pelotas eu também convidara o vigário de Juiz de Fora, jovem sacerdote intimamente articulado com o movimento aviatório.

A cerimônia teve lugar, por uma radiosa manhã, na Zona Militar do Aeroporto Santos Dumont, com a presença do então Ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, e de numerosa assistência. Concluído o batismo, quando Chateaubriand, de taça em punho, ao lado do avião, discursava eloquentemente sobre o sentido cívico do ato, surgiu no meio da assistência um jovem que partiu para o orador e, sem dizer uma palavra o prostrou por terra com um soco em pleno rosto.

Era o moço contra quem Chateaubriand, naquele mesmo dia, havia publicado mais uma de suas verrinas. Aconteceu, então, o inesperado: mesmo no solo, cego pelo champanhe esborrifado de sua taça, o jornalista sacou de sua arma. A multidão, apavorada, fugiu, aos gritos, em todas as direções. Estabeleceu-se o pânico. Eu, ao lado de Chateaubriand, tentava arrebatar-lhe a arma, segurando-lhe fortemente os braços.

Mesmo prostrado por terra e quase imobilizado por mim, o jornalista, confundindo-me com seu antagonista, conseguiu puxar três vezes o gatilho. O primeiro tiro localizou-se no ombro do agressor; o segundo perdeu-se no espaço sem ferir ninguém. Mas, em dado momento, conseguindo desvencilhar-se, Chateaubriand puxou o gatilho pela terceira vez, tomando-me pelo seu antagonista.

A bala atingiu-me em plena face. Senti um baque terrível, como se tivesse recebido no rosto o coice de uma mula, e, por instantes, apenas por segundos, perdi os sentidos. Quando voltei a mim, estava sendo arrastado para dentro do hangar, com o sangue a escorrer abundantemente pela boca onde a bala penetrara para localizar-se, com meia dúzia de pequenos estilhaços, na segunda vértebra cervical.

Depauperado por uma hemorragia que em poucos minutos me acabaria de matar, fui examinado por três ou quatro eminentes médicos...”

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